Abrace e Casai: parceria no tratamento de câncer infantojuvenil e na preservação da cultura indígena

A harmonia entre as duas instituições faz com que assistidos e acompanhantes sintam-se mais próximos de suas tribos enquanto vivem em Brasília

Publicado dia 20/11/2018 às 13h00min

A Abrace e a Casa de Saúde Indígena (Casai) do DF cultivam uma forte parceria que dura 24 anos, para proporcionar às crianças e adolescentes indígenas a assistência necessária para que elas passem pelo tratamento sem ter que abandonar suas culturas.

A Funai foi a ponte inicial. As crianças e adolescentes diagnosticadas com câncer eram hospedadas na Casa de Apoio da Abrace. Atualmente a Casai acolhe essas pessoas atendidas pelo SUS e a sua equipe de diversos profissionais, dentre eles médicos, enfermeiros, nutricionistas e técnicos de enfermagem fazem com que os costumes e diversidades sejam preservadas. A Abrace auxilia fornecendo remédios, exames e consultas que não estejam disponíveis na rede de saúde, assim como acompanha um a um com a sua equipe de assistência social. Segundo Maria Angela, presidente da Abrace, a ajuda deve ser prestada de acordo com as orientações da equipe médica, “o tratamento obedece a um protocolo, por isso a casa está de portas abertas, independente da origem dos pacientes.”

Com 2 anos, João José Patamona, da comunidade Urinduk, localizada nas margens do Rio Maú, fronteira com a Venezuela, Guiana e o Brasil, adoeceu. Em 2012, o tio levou o pequeno no hospital, em Roraima, e recebeu o duro diagnóstico: leucemia. Foi então que as difíceis mudanças vieram. Com 4 anos, o menino, sem conseguir andar, teve a primeira internação. Ficou dois meses em Boa Vista. Depois, foram encaminhados para o Hospital de Base e, por último, precisou passar mais dois meses internado no Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB).

A princípio, todos estavam perdidos. O pai, que se mudou para Brasília para acompanhar João, pensava que não voltaria mais para casa. Sentiam-se presos, trancados dentro do hospital, eram muitas novidades de forma abrupta. Com o tempo e o trabalho das assistentes, a adaptação aconteceu. “A gente vive na comunidade assim como vivemos aqui na Casai”, revela, de forma natural, o pai, Eloe José Patamona. Atualmente com 10 anos, o pequeno João recebeu alta, mas teve uma reincidência e voltou. Ele conta que ainda prefere a tribo a Casai, pois sente falta dos amigos, mas aceita melhor a estadia em Brasília. Passa a maior parte do tempo fazendo o que mais gosta: jogando bola.

A estrutura e o acompanhamento aos pequenos indígenas são adaptados para que toda a cultura seja preservada. A tentativa é de minimizar ao máximo a drástica mudança de ambiente e costumes quando as famílias precisam vir para a cidade fazer algum procedimento. Segundo as assistentes da casa, a saudade de pisar na terra é uma das maiores dificuldades para os indígenas que vem.

Os profissionais envolvidos têm o compromisso de conhecer a cultura e respeitar a individualidade de cada grupo, já que os assistidos podem vir de diferentes tribos. Pequenas adaptações, como uma alimentação específica facilita a luta diária dessas crianças. “Somos muito próximas da história e da cultura, fazemos o acolhimento social, passeamos com eles pelo espaço, vamos nos quartos deles para conversar. No final, eles têm que se adequar à nova realidade”, explica a assistente social, Tatiane Braga.

O Ayari Respingo Matipu, de 9 anos, foi diagnosticado com leucemia um mês depois do falecimento do irmão, de 21 anos, que estava enfrentando o mesmo problema. Foi difícil para a mãe Tamaitu Matipu, de 51 anos, vir para Brasília com o pequeno e aceitar o tratamento. Tatiane conta que para a tribo da senhora o luto é algo considerado sério, então ela chorava compulsivamente. “Na cabeça dela existia uma associação de que o acontecimento com o mais velho se repetiria com o menor. Ela estava assustada com tudo e não falava a nossa língua [português]”, diz a assistente. Para melhorar a comunicação e o tratamento seguir, tiveram que vir também a filha e a neta de Tamaitu, Jegu Matipu. Nesses casos, a Casai abre exceção nas regras, porque a prioridade é assistir a criança que precisa dos cuidados.



A equipe de assistência social da Abrace acompanha de perto a demanda dessas famílias, sempre preservando as diferenças deles e os laços familiares durante o processo. “As mães se sentem agradecidas e as crianças valorizadas quando percebem que existe esse olhar diferenciado para elas. É um olhar para o ser humano, acima da doença”, afirma Maria Angela.

 

Texto: Bárbara Aparecida