Encontro da saudade

Famílias que perderam os filhos para o câncer se reencontram na Abrace

Publicado dia 13/12/2018 às 21h00min

Juraildo da Rocha relembra a luta que travou quando descobriu que seu filho, Ruan Silva Rocha, foi diagnosticado com rabdomiossarcoma alveolar. Entre lágrimas, ele conta sobre as dificuldades financeiras e o baque que teve quando soube da doença do pequeno. A Abrace foi fundamental nesse processo, inclusive depois do filho partir, aos 6 anos.

No dia 11 de dezembro, Juraildo voltou à Abrace para participar do evento Encontro da Saudade, organizado pela equipe de cuidados paliativos, do Núcleo de Atenção e Assistência da instituição (NAA) e do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB). Durante os anos de tratamento, Juraildo recebeu de perto os cuidados das profissionais que acompanham assistidos fora de possibilidade de cura terapêutica. Ele foi ajudado com cestas básicas, além do estímulo para a compra do carrinho de churros que manteria a família. Quando a criança faleceu, deixou uma dor enorme no coração de seu pai. “Eu me lembro do Ruan como alguém sensacional que queria viver. Hoje, sinto muita saudade, tudo me lembra ele, mas ele mudou muito minha vida”, conta o pai que foi ao evento com o intuito de rever a equipe que cuidou dele e do seu filho. “Estou aqui para ficar perto das pessoas que nos ajudaram”, esclarece.

A ideia partiu da enfermeira dos cuidados paliativos do HCB, Jannara Cristina da Cunha. Ela afirma que o momento foi criado para que todos pudessem se ver novamente, se abraçar e lembrar das crianças que marcaram suas vidas de uma forma tão intensa. “Nada está acontecendo por acaso, cada integrante da equipe está aqui por um propósito”, afirma Jannara. A ocasião reuniu cerca de 20 pessoas, todas famílias que viram seus pequenos partirem.

O pátio do Espaço Pedagógico foi decorado com balões coloridos, um painel que continha um varal com as fotos das crianças e adolescentes homenageados, bolos, lanche e música, coordenada pelo projeto Remédio Musical. Com cuidado e carinho palpável, os organizadores conseguiram proporcionar um momento carregado de emoção.

Enquanto o choro estava presente em cada rosto, os ouvidos de todos estavam atentos para ouvir os familiares que utilizaram o espaço aberto a eles para desabafar. Nos relatos marcantes, o sentimento predominante era de saudade que se transformavam em palavras de gratidão pelos cuidados recebidos em um período tão difícil.

Nesse momento, Maria Dalva Antônia de Jesus usou o microfone para recitar um poema sobre o amor. Ela explica que leu os versos na porta de um amigo a ajudaram a encontrar forças. “Se existe uma força positiva nessa situação é o coração de uma mãe. Eu quis passar para elas que quando se perde alguém que se ama tanto, a melhor coisa é se apegar a Deus”, expressa sua intenção. Maria Dalva ainda procura dançar e cantar para lembrar dos momentos que passou com o neto, Deivison Douglas de Jesus Pereira.

Sylvia Cardoso da Silva e André Júlio, pais de Gabriella Cardoso Vasconcelos, também escolheram o momento para lembrar de toda história e as mudanças que Gabi, como é carinhosamente chamada, causou na vida dos dois. Em fevereiro de 2012, o tumor no cérebro da menina, com apenas 12 anos, abalou a vida da família. Foram 5 cirurgias e um cateter que a Abrace forneceu, mas o mais marcante foi a festa de 15 anos que a instituição realizou para a jovem. “Foi além do que eu poderia imaginar, um sonho, um dia de princesa que marcou a vida da Gabi”, conta a mãe.

A assistida partiu há um ano e três meses e seus pais dizem que as marcas ainda estão abertas. Apesar disso, a mãe da menina afirma que em 2019 começará a faculdade de enfermagem para poder seguir em frente e fazer por outras pessoas o que fizeram por sua família. “Ela foi a delicadeza do amor de Deus na nossa história e eu quero, de alguma forma, retribuir todo cuidado que tiveram conosco. Quero representar a gratidão na vida dos nossos pequenos”, promete Sylvia.

A ajuda das assistentes sociais, orientações e cuidados com alimentação, ambiente adequado e muita conversa garantiram, segundo o pai da menina, aproximadamente um ano e meio de acompanhamento nos cuidados paliativos. Quando a filha partiu, Sylvia e André ainda receberam a visita da psicóloga. O médico oncologista, responsável pelos cuidados paliativos, José Carlos Córdoba, conta que o procedimento paliativo é parte integrante do tratamento oncológico porque não se baseia só na doença, mas também na pessoa, visando a qualidade de vida dos envolvidos. “Esse tratamento só é possível porque a Abrace está junto, sem eles nós não conseguiríamos”, explica.

Envolvida com a história de cada um que estava presente, a presidente da Abrace, Maria Angela, exaltou a importância de ter essas pessoas por perto, unindo as energias da Abrace com o apoio que eles podem passar. “A nossa alma não morre. Sabendo disso é que seguimos a nossa caminhada. Nossas crianças continuam a nos fortalecer e precisamos de vocês para continuar com a nossa missão”, incentiva a presidente em seu discurso de abertura.

Em uma roda, as famílias puderam se conectar e formaram uma corrente de apoio. Ao fim do encontro, cada um pôde escrever palavras em bilhetes, que foram amarrados em balões coloridos e soltos no céu, ao som da música de Roberto Carlos, “Como é grande o meu amor por você.” Cantando sobre o amor e a continuidade da vida, esse momento foi essencial para que todos pudessem expressar o sentimento que restou depois de toda a turbulência.

Texto: Bárbara Aparecida